No último dia 9 de fevereiro foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6299/2002[1], chamado também de #PLdoVeneno. O extenso Projeto propõe mudanças na legislação e na cadeia produtiva e distributiva de agrotóxicos em território nacional. O relator do PL é o Deputado Federal Luiz Nishimori, do Partido Liberal do estado do Paraná (PL-PR). Nishimori integra a bancada ruralista – a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) – no Congresso e tem histórico de venda de agrotóxicos e associação com empresas agroindustriais[2].
Dentre as
mudanças, o Projeto, se aprovado e sancionado, torna competência do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a fiscalização, a análise dos
venenos para uso da agropecuária e a aplicação de penalidades aos criminosos
ambientais, marginalizando o papel da ANVISA e do IBAMA no controle de
agrotóxicos no Brasil. Além disso, torna-se competência exclusiva do MAPA a
auditoria de empresas e institutos de pesquisa.
A atual ministra
da Agricultura, Tereza Cristina, é ex-presidente da FPA. Além disso, o MAPA
possui histórico de decisões tomadas sem embasamento científico, como a
liberação de plantio de soja mesmo no ‘vazio sanitário’, época do ano que há um
hiato entre as plantações para evitar a proliferação descontrolada de pragas[3].
Deixam de ser
proibidos, em caso de aprovação do PL 6299/02 no Senado e consecutiva sanção,
registros de agrotóxicos que possuam características que induzem deformação
fetal, distúrbios hormonais, câncer e outros horrores. Ademais, ao revogar
totalmente a Lei atual sobre agrotóxicos (Lei 7.802/89[4]), o PL
do Veneno limita as entidades que podem pedir impugnação ou cancelamento de
registro de determinado produtos dados seus prejuízos ambientais e à saúde humana[5].
A questão do
sistema alimentar se dá a partir de diversos planos que precisam ser analisados
de forma integrada, sistêmica. Os impactos desses sistemas se manifestam na
saúde, no bem-estar individual e coletivo, na integridade ambiental e
planetária e na estabilidade das nações[6]. Desse
modo, a questão alimentar se dá, de forma integrada, nas dimensões ambiental,
econômica, política, social, sanitária e nutricional, somente para citar
algumas.
Algumas
problemáticas podem ser levantadas a partir desse cenário. O relatório HLPE da Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), por exemplo, reconhece
a nocividade das ações das grandes corporações transnacionais do setor
alimentício. O IPES-Food, em uma análise holística, concentra-se nas relações
diferenciais de poder dos sistemas alimentares no mundo e de suas consequências.
Assim, são reconhecidas as desigualdades políticas como fatores de promoção das
mudanças climáticas, vulnerabilidade social, pobreza e outros, visto que nesse
processo as pessoas com baixo ou nenhum poder relativo são excluídas nas
tomadas de decisões, sendo elas as que são mais impactadas por essa realidade.
A problemática
dos sistemas alimentares também não pode e nem deve marginalizar o papel da
sociedade internacional nos assuntos internos do Brasil, dada a Divisão Internacional
do Trabalho. Segundo Capra (1982, p. 214), as grandes companhias “[a]busam do
solo e dos recursos agrários dos países do Terceiro Mundo a fim de produzirem
safras altamente lucrativas para exportação, em vez de alimentos para as
populações locais, e promovem hábitos nocivos de consumo[...]”. Suas agências
se dão a partir do controle do processo legislativo e pela distorção de
informações transmitidas através dos meios de comunicação de massa ao público,
além de influenciar o sistema educacional e a produção acadêmica por meio de
crescentes investimentos privados na área.
Está em curso
também uma disputa discursiva. Uma das proposições trazidas pelo PL 6299/02 é o
uso dos termos ‘defensivos agrícolas’ e ‘pesticidas’ para se referir aos
agrotóxicos, como se o agrotóxico matasse apenas pestes presentes na safra e
não seres humanos. Quando usados em florestas e ambientes hídricos, os
agrotóxicos serão referenciados como ‘produtos de controle ambiental’.
Objetiva-se com isso retirar a carga negativa que o termo agrotóxico carrega,
de forma a mudar a percepção das pessoas em torno dos impactos desses produtos
tóxicos na vida das pessoas, a partir de uma mudança de nomes. Conforme
Rancière (2014, p. 117): “Se as palavras servem para confundir as coisas, é
porque a batalha a respeito das palavras é indissociável da batalha a respeito
das coisas”. Assim, é preciso ficar atento à construções discursivas promovidas
por determinados setores que possuem maior poder e influência política e atacam
as consquistas sociais de múltiplos fronts. Outro exemplo dessa guerra
discursiva se dá no setor do garimpo, termo que passa a ser reconhecido
oficialmente como ‘mineração artesal’ a partir do decreto nº10.966, de 11 de
fevereiro de 2022.
A compreensão dos
sistemas alimentares transita por diversas áreas que precisam ser estudadas
como um sistema integrado de ações. Observa-se a agência de agentes privados do
setor agroindustrial em variadas dimensões sociais, exigindo-se um esforço
coletivo no combate à crescente invasão de seus interesses no espaço público. A
retomada dos espaços públicos por agentes defensores de justiça social e
responsabilidade ambiental, porém, exige uma maior reflexão quanto a natureza
dos problemas a serem enfrentados, o que leva tempo, mas que é fundamental na
tomada de decisões que perdurem de forma efetiva no longo prazo. A mudança de
percepção do social e dos problemas a serem enfrentados de fato, pode ser um
caminho para as transformações necessárias, envolvendo cultura, educação e
ações que provavelmente só irão ser sentidas nas próximas gerações. Dessa
maneira, impõe-se um pensar conciliador entre o agora e o futuro, de forma a
atenuar os estragos aos quais estamos sendo bombardeados no presente momento e
evitar que isso se repita nos próximos anos.
[1]
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=46249
[2]https://deolhonosruralistas.com.br/2018/07/12/relator-do-pl-do-veneno-luiz-nishimori-vendeu-agrotoxicos-no-parana/
[3]
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59999292
[4]
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7802.htm
[5]
https://www.camara.leg.br/noticias/849479-camara-aprova-projeto-que-altera-regras-de-registro-de-agrotoxicos/
[6] REIS et al. Relações entre saúde e meio
ambiente a partir do enfoque da SAN.
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