quarta-feira, 5 de maio de 2021

Agrotóxicos são lançados de avião sobre crianças e comunidades em disputa por terra.

 



Moradores de comunidades rurais no Maranhão e Pará gravaram o momento em que os aviões jogam pesticidas sobre suas casas em áreas disputadas com grandes fazendeiros.
Crianças e adultos apresentaram coiceira, falta de ar, vômito, febre e tiveram feridas abertas pelo corpo, após levar banho de agrotóxico.

No Maranhão, o conflito já dura cerca de quatro anos. As comunidades estavam na região antes da chegada dos plantadores de soja e viram o cerrado ser desmatado para dar lugar à monocultura. Hoje, algumas fazendas fazem fronteira com as casas dos moradores das comunidades rurais.

Segundo Diogo Cabral, advogado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, “O quadro é muito grave, porque nós já temos um conflito agrário e, agora, eles jogaram veneno em cima das casas. É uma guerra química contra essas famílias”, afirma.

Os episódios de abril levaram o conflito muitos graus acima porque os aviões jogaram agrotóxicos de modo repetitivo sobre as casas e sobre as pessoas. E essa não é a primeira vez que as comunidades respiram veneno. Diversos moradores das duas comunidades relatam que há anos sentem o cheiro e os efeitos da intoxicação, com episódios frequentes de náusea e dor de cabeça. Isso ocorre porque o agrotóxico é aplicado em áreas que fazem fronteira entre a fazenda e as casas. O vento leva a nuvem de veneno para as áreas habitadas.


No Pará a pulverização da aérea, acontece em meio a um violento contexto de disputa por terra. O local, onde vivem mais de cem famílias, foi palco do episódio conhecido como chacina de Pau D’Arco. Em maio de 2017, policiais civis e militares mataram dez trabalhadores que resistiram às ordens de despejo e insistiam em ocupar o local. Quase quatro anos depois, os ocupantes ainda vivem com medo de serem expulsos, já que a justiça determinou cumprir a mesma ordem de reintegração vigente desde a época da chacina. 

Além de intoxicar as pessoas, o agrotóxico pulverizado de avião pelo vizinho também secou os roçados dos pequenos produtores, prejudicando o investimento e meses de trabalho. Eles produzem milho, mandioca, quiabo e melancia, entre outras culturas variadas, para venda nas cidades do entorno. E a perda de animais, entre bodes e galinhas, dos quais se perde a conta de quantos morreram desde o começo da aplicação.

Apesar de crescentes denúncias de comunidades rurais sendo intoxicadas, o estado brasileiro não responde à gravidade do problema. No Pará, dois meses depois de a denúncia chegar às instâncias responsáveis, ainda não foi feita a coleta de materiais para testagem e comprovação da presença de agrotóxicos. Algumas pessoas procuraram o posto de saúde por iniciativa própria, mas não receberam acompanhamento. 

No Maranhão, as crianças e adultos intoxicados ficaram mais de uma semana sem nenhuma forma de atendimento médico. Eles não procuraram o posto porque ficaram com medo de se contaminar com o coronavírus. Acionado pelo advogado, lideranças e Defensoria Pública, o governo do Maranhão demorou mais de dez dias para enviar equipe de atendimento ao local. A equipe chegou à cidade ontem, dia 3.

fonte:https://reporterbrasil.org.br/2021/05/agrotoxicos-sao-lancados-de-aviao-sobre-criancas-e-comunidades-em-disputa-por-terra/







segunda-feira, 3 de maio de 2021

A IMPORTÂNCIA DA QUESTÃO DE GÊNERO PARA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAN








A fome se configura por meio de processos históricos de violência e estratificação, que impulsionaram e reafirmaram, através dos anos, a negligência perante as desigualdades sociais de raça/etnia, classe social e gênero. Esse são fatores indissociáveis da análise para a criação de políticas de SAN.  
No Semiárido de Minas Gerais, encontra-se a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, uma junção dos grupos indígenas Pankaru e Pataxó – é o primeiro caso brasileiro em que grupos étnicos distintos se unem para a compra de terras por meio de um empréstimo de crédito fundiário. Aqui, se apresentam mulheres de ambas as etnias procurando reconstituir o modo de vida ancestral, em um novo território, através da permacultura e da agroecologia. Essas mulheres além de coletoras, semeadoras, tingidoras e cerzidoras, transitam nos espaços urbanos para a venda de seus produtos artesanais. Esta é a principal fonte de renda para o pagamento do crédito fundiário da terra onde vivem. O trabalho feminino é vital para o funcionamento e manutenção da aldeia. Além disso, esse trabalho cria laços e redes de informação. A divisão do trabalho por gênero, com a centralidade da figura feminina na educação, cria poderosa rede de sociabilidades. Essa inserção nos espaços políticos - majoritariamente masculinos - possibilita a realização de projetos reivindicando direitos à saúde, à educação de qualidade e alimentação adequada, para que estes possam conquistar o seu Bem Viver¹. 
O acesso à água potável e recursos para a produção de alimentos sem agrotóxicos e adubos químicos com a implementação de técnicas da agroecologia e da permacultura, configuram aspectos centrais na luta das mulheres que compõem a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba. Defender um modo de vida mais sustentável e cooperativista, que conecta os direitos do homem com os direitos da natureza de coexistirem, e que evidencie a importância do papel feminino dentro deste processo, é fundamental não só para acabar com a fome, mas também para minimizar as disparidades sociais que a antecedem.
¹ações que considerem as estratégias de convivência com a natureza, através da conjugação das condições ecológicas de um território com o manejo cultural do espaço (Rita Simone LIBERATO, 2019; Enrique LEFF, 2016; Alberto ACOSTA, 2015; David CHOQUEHUANCA, 2010; Marcos ARRUDA, 2003).
Referências Bibliográficas
LIBERATO, Rita Simone; MOUTINHO, Laura; NORONHA, Isabel; BAGNOL, Brigitte. “Soberania Alimentar no Machimbombo e na aldeia: gênero na perspectiva Sul-Sul”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3, e66961, 2019.
FOTOS: https://www.ifnmg.edu.br/noticias-ara/noticias-2018/19025-neabi-do-campus-aracuai-visita-aldeia-cinta-vermelha-em-ciclo-de-formacao


 

domingo, 2 de maio de 2021

TRIPÁLIO

 


O termo trabalho associa-se à uma genealogia negativa, significando uma experiência dolorosa, torturante, de submissão, de exploração, de fragmentação, de lucro. A mecanização do trabalho gerou homens alienados de seu produto – exceção para os produtos artesanais – não havendo mais conexão entre o que se faz. Houve uma ruptura nas relações entre os homens, e entre nós e a natureza. Aliás, dificilmente as crianças urbanas sabem de onde vem a água que sai da torneira ou o alimento à mesa. 

Mas também há uma conotação positiva para o “trabalho”. Durante muitos séculos, entre os povos originários as atividades de plantio, da colheita, caça, pesca que representavam a sobrevivência estiveram ligadas a ações plenas de sentido. Todas as tarefas eram realizadas como parte integrante da vida, com festas para o plantio, para as colheitas, com cerimoniais para as grandes caçadas e para as pescarias coletivas. Se implicavam na sobrevivência do grupo, fortaleciam laços de solidariedade e de comunhão com os outros e com a natureza, sem separação, sem ruptura.

Acredito e defendo que o trabalho é uma condição da humanidade. Ele contém a capacidade humana de intervir e interferir sobre o mundo. Tudo o que é, é fruto do trabalho. Além da condição de classe, somos todos trabalhadores, mesmo “os proprietários dos meios de produção”, definido no corolário marxiano. Não nego que existe uma enorme diferença entre aqueles que se apropriam do poder e se fazem representar, simbolicamente, como “donos do poder”. Isto é uma construção histórica, pois as forças estruturantes da sociedade capitalista e conservadora são imbricadas e fortes, construídas ao longo do tempo, sendo, por exemplo, possível mapear a gênese de muitas famílias “poderosas” no Brasil.

Esses grupos ocupam espaço nas estruturas do Estado – monopólio da violência e controle da tributação e da representação - com seus discursos e símbolos exercem o poder nos territórios - definidos como o “espaços vividos”.  Todo discurso contém uma fonte de poder que pode separar, dividir ou criar pertencimentos. Discursos são representações.  São ferramentas de construção ou conquista de poder que afetam a realidade. Criam contradições entre essência e aparência, competividade, sustentam-se em ideologias, nas ideias.

As pessoas se tornaram mais individualistas e o Capitalismo se aproveita disso, da destruição e enfraquecimento das resistências, ou “oportunidade de poder” dos diferentes grupos sociais. Todos nós criamos representações e disputamos nossos discursos. O Estado é uma instituição, já os dirigentes são pessoas que agem com interesses díspares. Então, pode-se pensar na genealogia das oportunidades de poder. Em uma sociedade ideal, com leis justas, bem-estar da coletividade, utópica em contraposição à distopia, esse lugar hipotético/real onde se vive sob sistemas opressores, autoritários, de privação, perda ou desespero, uma antiutopia. 

Que lugar a gente ocupa? O poder nos territórios é negociável por aqueles que querem fazer parte, por isso é necessário saber onde a gente se situa. E de ampliar nossos discursos, refletir sobre que discursos podemos proferir para melhorar nossas práticas, avançar nosso pensamento, ampliar nossa visão, ver saídas para as impossibilidades. Ver outras conexões possíveis numa perspectiva relacional, outras formas de olhar para os territórios. Construir discursos para agregar as pessoas de maneira razoavelmente/profundamente ética. Ver nas imbricações dos discursos, formas de furar o bloqueio, de encontrar brechas no associativismo, no comunitário, na agricultura sustentável, no bloqueio da FOME que avança avassaladora e de maneira assustadora no Brasil atual. 

Como valorizar o que não sabemos a origem, se vemos tudo separado, sem interconexões? Penso se seria possível descontruir a separação do individualismo. Se sabemos que não existe ser isolado, talvez haja possibilidade de se reconstruir as conexões, bases da solidariedade. As interconexões são a fonte da própria existência. Estamos conectados nas redes sociais, bastante desconectados da vida real, isolados bem antes da pandemia da Covid-19. 

O trabalho é uma questão de identidade. E a identificação com o que se faz, agarra na gente, como uma segunda pele. Antes da aposentadoria, tive muitas dúvidas de como ficaria sem a “identidade” de trabalhadora. E a tomada de consciência em relação às minhas muitas identidades, veio com benfazeja força. Percebi e valorizei o ser mulher, a atriz, o trabalho doméstico, de mãe, de irmã, de tia, de aprender outras funções, de resgatar a escrita solta, sem intento. O tal “ócio criativo” se incorporou à minha nova realidade de aposentada. O ser político permaneceu, pois sou parte integrante do mundo que habito.  

Autor: Marluce Cerqueira

DONOS DA TERRA BRASILIS: POVOS DA TERRA

O Diálogos de Saberes apresentará uma série de reflexões sobre a condição dos povos originários da Terra Brasilis a partir de 18/04 até dia ...